quinta-feira, 30 de abril de 2009

Cortando um côco na traseira de um caminhão parado numa rua de fortaleza. Uma rua pavimentada com pedras ancestrais e irregulares, que no começo da noite dispersam o calor acumulado durante o dia.


É por isso

que a constituição é analítica,

analítica,

analítica.

Ela vai e vem,

Vai e vem,

Vai e vem.

sexta-feira, 24 de abril de 2009

incursões (III)


3. A violência verbal e discursiva constitui o fruto mais pródigo da disseminação do estilo de vida urbano e da criação de um contingente urbano de miseráveis. O dito "rap nacional" parte para a propagação dos falhos valores morais neo-pentecostais de seus artistas através de uma retórica suja e francamente agressiva, calculada para ofender aqueles que, paradoxalmente, são os inimigos e os modelos imaginários da cambada.
Ora, já é tempo para a violência retórica ganhar o mundo! Chega dessas metáforas visuais de cunho sentimentalista e afeminado que infestam nossa poesia e a música! É hora de bater na mesa e formar um coro monumental para proclamar nossas verdades! Chega de ter vergonha de nossas próprias ambições, chega da maldita culpa! Por uma estética da simplicidade e da violência. Por uma estética da sinceridade acima de tudo.

quarta-feira, 22 de abril de 2009

incursões (II)

2. A desgraça da raça humana, a verdadeira desgraça da juventude universitária de meus dias consiste em adotar justificações cada vez mais estéticas da vida. Quanto esforço, tempo e dinheiro não é gasto em regular milimetricamente um mundo de aparências socialmente elaboradas e cada vez mais meticulosas? Acho que, ao se definir no mundo, o sujeito atualmente o faz de forma puramente estética. Vou ser médico, porque acho bonitas as roupas brancas. Ao se projetar num futuro ideal, o doidão o faz praticamente como quem compõe uma cena. Lá estou eu: saindo de um apartamento bem decorado em tal bairro, pegando tal carro, com tal modelo de mulher ao meu lado. A cor da minha camisa é praticamente tão importante quanto o lugar onde eu trabalho. Digo, a justificativa estética tem sim seu valor. Por mais desagregadora que seja, a vida estética tem a propriedade de ser livre de vínculos profundos. Muda-se de vida como quem muda de roupa (literalmente) e isso chega a ser bom, se um se encontra totalmente privado de um sentido de construção amplo e duradouro.

segunda-feira, 20 de abril de 2009

incursões

1. Dizem por aí que Freud descobriu a irracionalidade de homem comum. Não interessa se essa colocação é falsa ou não, não me importa se foi isso mesmo que ele quis dizer ou não. A irracionalidade da vida cotidiana é um ponto de partida interessante para as nossas reflexões essa noite. Afinal, sob o peso de todas as mazelas do mundo, das desgraças monumentais do finado século XX, e dos prenúncios sombrios de nossos tempos, quem conseguiria ver qualquer sentido em "bailar na superfície estética do mundo" numa vida consumista vazia de sentido e de afetos reais e significativos? Pergunte ao Dr. Freud se é racional encher o cu de cocaína e trabalhar por horas e horas em longos estudos que serão queimados mais tarde. É claro que não. Precisa a vida humana ser racional? A racionalidade da vida humana é praticamente uma impossibilidade. É claro, pode-se adotar um estilo de vida racional, regular os próprios atos afim de evitar o sofrimento ou obter algum tipo de prazer e satisfação. E é tudo. A vida pode ser racional em seus meios, mas jamais em suas finalidades.

sábado, 18 de abril de 2009

here, take a look fuckers



É interessante usar uma metáfora gravitacional para falar dessa situação; justamente porque parece que os nossos conceitos de organização social foram apreendidos de forma um tanto quanto gravitacional também: nós aprendemos que o mundo tal qual está aí é a necessária evolução do decurso da história, que ele era, digamos, inevitável. Mas ele não é! porra, ele não é!
Ei garotos, corram! Mudem a porra do mundo antes que ele mude vocês, antes que vocês virem troço.

terça-feira, 7 de abril de 2009

A formiga e a cigarra

Era uma vez um bosque. Nesse bosque haviam muitos formigueiros (evidentemente repletos de formigas de todos os tipos e tamanhos) e também haviam muitas cigarras.
As formigas do bosque eram especialmente atentas às aparências: gostavam de ternos bem cortados, sapatos sempre bem engraxados, cabelos penteados. Evitavam decotes, palavrões, saltos demasiado altos. Tinham horror aos escândalos e cenas públicas. Procuravam instruir os filhos para que se tornassem bons cidadãos, seguidores dos costumes, embora estes costumassem adotar, especialmente durante a juventude, os usos malcriados e rebeldes repugnados pelos pais. Uma vez passada a fase problématica, entretanto, a vida seguia seu curso normal . A maioria delas freqüentava aos cultos e missas no domingo. Todo o resto do bosque as tinha em conta de gente honesta, ordeira, e, via de regra, abonada.
No campo aparentemente oposto estavam as cigarras. Sempre tendo problemas com a polícia, sempre envolvidas com drogas, sempre atoladas em vícios e badernas diversas, mesmo quando famosas. Sim, pois as cigarras constituiam a classe artística por exelência do bosque. Houve época em que desde o cantor de butequim até os expoentes da indústria fonográfica eram cigarras. As formigas consideravam as cigarras repreeensíveis por muitas coisas, desde seus comportamentos sexuais inadequados até seu uso de protestar contra as medidas governo do bosque; mas, acima de tudo, as cigarras eram um mal exemplo por não trabalharem. Desde quando ficar aí pelas esquinas e pelos butecos é trabalho? Tocar e cantar todos nós podemos, e se ninguem fizer, não há de fazer falta também. E a vida que essa gente leva, então...?! Deus que me livre!
Para o resto do bosque, as coisas pareciam exatamente desse jeito, e no entanto, as coisas nem sempre ou raramente se passam da maneira como o vulgo as percebe. Hei de lhe mostrar agora dois personagens do Bosque, para explicar o que digo.
João Cigarrito era músico. Instrumentista por profisão e por paixão. Desde pequeno respirou música, por que em sua casa não faltava alguém para tomar o violão e tocar, e nem alguém que cantasse. Começou desde pequeno a lidar com os instrumentos, e, desde muito moço, animava os lugares que frequentava com canto e dedilhado de viola. Assim, os pais não ficaram exatamente surpresos quando ele disse que ia ser músico, embora a mãe quisesse mesmo que ele fizesse Direito, pra trabalhar com o Seu Formigôncio.
João Cigarrito andava deveras ocupado ultimamente. Para quem não sabe, se sustentar como músico não é nada fácil, especialmente num bosque de terceiro mundo. A necessidade de ganhar o pão de cada dia obrigava o João a se desdobrar em vários empregos, dando aulas particulares, tocando em barzinhos noite à fora, e até gravando jingles publicitários. João acordava cedo, pegava dois ônibus da árvore onde morava até o centro. Ia levando a vida, que, na opinião dele, era mais fácil com uma boa canção. “É como disse outro: quem tem a viola, pra se acompanhar...” A vida era simples, quiçá sofrida, mas feliz apesar de tudo.
Arthur Formigôncio era muitas coisas: Filho do Seu Formigôncio, bacharel em direito, administrador das empresas do pai. Arthur era uma formiga realmente respeitável. Acordava todo dia às nove da manhã, vestia um belo terno e ia para o trabalho num carro enorme. O trabalho de Arthur era administrar o dinheiro do pai, e, dizem os boatos, gastá-lo. Arthur havia se formado em Direito, pois pretendia seguir os passos do pai. Não passou no exame de ordem, dizem os boatos que por não ter se esforçado durante o curso. Também correm boatos de que o jovem teve problemas com drogas na adolescência, motivo pelo qual foi mandado para uma longa temporada num formigueiro distante, no norte. Seu Formigôncio certa feita chegou a processar um psicólogo que sugeriu que os problemas emocionais de Arthur tivessem alguma relação com o histórico de alcoolismo do pai e com os adultérios da mãe. Mesmo quando adulto, Artur parece não ter se recuperado de uma gripe pega na época da viagem, motivo pelo qual estava sempre com o nariz escorrendo. Um dia, aparentemente entediado com suas longas férias, Arthur deixou seu apartamento para não mais voltar. Dizem os boatos que foi encontrado morto num beco atrás de uma boate bem cara. Estava numa poça de vômito e sangue, com os olhos vidrados.

Moral da história: tolo é aquele que julga as pessoas pelas aparências e pela profissão.