quarta-feira, 25 de março de 2009

andores cibernéticos

Todo o esforço dos contadores de histórias, dos poetas e dos ilusionistas de todos os povos se condensa num objetivo simples: manter o espectador sem entender que poesia, arte, cultura, são feitos com reuniões condensadas de velhas imagens que os povos criam e carregam ao longo da história. São os velhos ídolos, sempre rearranjados, que mantem a força ao longo dos séculos, e que justamente por não terem autor nem início, provavelmente viverão enquanto houver ser humano. São os mesmos velhos santos que a multidão carrega, em andores cibernéticos.

domingo, 15 de março de 2009

disse frantz fanon

"Durante a colonização, o colonizado não pára de se libertar das nove da noite às seis da manhã."

quinta-feira, 12 de março de 2009

o balão branco

Quando eu era pequeno, seguia o costume das crianças de chorar por quase qualquer coisa. Meu pai não me consolava, dizia apenas que eu teria ocasiões bem piores para chorar ao longo da vida. Essa reminiscencia me veio quando assisti um filme sobre uma menina iraniana e suas peripécias e frustrações para conseguir um maldito peixinho branco (chama-se O balão branco). O filme, apesar de não ter explosões nem efeitos especiais teve a capacidade de prender e angustiar a mim e aos outros durante umas boas horas.
Minha explicação para isso é de que, apesar de todas as certezas adultas do avanço econômico, do progresso científico, da classe média, da salvação das almas, todos nós temos a leve sensação de estarmos nos debatendo atrás de alguns peixes brancos. E com o detalhe perverso de não sabermos se eles existem ou não na verdade, ou se eles serão suficientes para nos dar felicidade perpétua.
Me perdoem o miserável estilo Lya Luft, não pretendo me tornar um escritor de metafísica para donas de casa, mas os tempos são árduos e áridos.
E os instantes verdadeiramente excruciantes da vida são aqueles nos quais percebemos o quanto a própria felicidade é miserável e irritante, via de regra fruto de um auto-engano deliberado e extremamente sofisticado.

quarta-feira, 11 de março de 2009

roda viva

Pá - pa . pa . rá

(...)

roda anão
roda gigante
roda dotô
roda pião

geral rodô derrepente
quando da grande explosão.

domingo, 8 de março de 2009

hapiness is a warm gun

Um dia quem sabe todas as pessoas do mundo acordem se sentindo plenamente satisfeitas. Logo o tédio tomaria conta do planeta, e as pessoas teriam fatalmente que arrumar algo pra fazer. Talvez todos os povos da terra concordassem que estava na hora de discutir a relação. Durante a conversa, massacres étnicos e sacanagens temporais viriam à tona. Um povo acusaria o outro, o outro replicaria, começaria o quebra pau. E tudo voltaria a ser como antes.

quinta-feira, 5 de março de 2009

O negrinho

3

O sol da manhã seguinte descobriu o negrinho deitado num canto do barracão. o sol através do zinco projetava pintas de luz em sua pele escura. Do lado de fora, Amélia lavava roupa; pra fora é claro, porque as dela mesmo já estavam todas limpas. tinha a sorte de morar bem ao lado do lugar onde as mulheres lavavam roupa, numa espécie de fonte bizarra composta de cacos de azulejos variados e abastecida por um caminhão pipa. A massa de mulheres reunidas em volta d'água emitia um certo zumbido, e um cheiro de flor e de sabão. À quem ouvisse, poderia lembrar o som de um mercado no Marrocos, ou na Espanha, sob o sol, com os panos coloridos se molhando e se secando regularmente.
Ao acordar o negrinho foi até Amélia. Não esperou ela voltar para casa, e nem o sol deixaria. Do lado de fora do barracão, o céu de setembro tinha um azul desbotado, "cor de enfado", como escreveu o primo. As nuvens ocupavam o céu de forma organizada, em pequenas porções, regularmente distribuídas, criando um efeito geométrico deveras monótono. Com os pés nas ruas de areia, o negrinho caminhou até amélia. Chegou tocando uma flauta de bambu, enrolado em panos de cores vivas e padrões geométricos, montado num leão. Chegou vestindo trapos, sem flauta nem coroa de rei africano, com os pés no chão. Avisou-lhe de que queria ficar por ali, por que não tinha casa nem mãe. Chamou-a à noite para um banquete em seu castelo, onde criadas mouras serviriam melancia, costelas de jacaré, feijões doces, farofa e Tâmaras.
Disse à ela que seus pais haviam morrido. Seu pai era bandido, mas sua mãe era católica. Uma boa católica. Seu pai era Aníbal, sua mãe era Atena. O barraco onde eles viviam havia sido tomado, e ele não tinha ninguém no mundo, só tinha ela. O templo de sua mãe continuava erguido sobre o monte, e à noite as pitonisas apareciam lá para proferir os oráculos. Seu pai estava em campanha, decerto invadindo Roma, mas mandaria setenta vezes setenta lanças para protegerem os dois, mandaria elefantes com batedores que levariam o cesto de roupa até em casa. O menino era pobre, mas era trabalhador. Levaria as roupas até em casa, ajudaria no que desse, guardaria à noite melhor que um cão de guarda. Só pedia em troca um teto e algum afeto.