terça-feira, 7 de abril de 2009

A formiga e a cigarra

Era uma vez um bosque. Nesse bosque haviam muitos formigueiros (evidentemente repletos de formigas de todos os tipos e tamanhos) e também haviam muitas cigarras.
As formigas do bosque eram especialmente atentas às aparências: gostavam de ternos bem cortados, sapatos sempre bem engraxados, cabelos penteados. Evitavam decotes, palavrões, saltos demasiado altos. Tinham horror aos escândalos e cenas públicas. Procuravam instruir os filhos para que se tornassem bons cidadãos, seguidores dos costumes, embora estes costumassem adotar, especialmente durante a juventude, os usos malcriados e rebeldes repugnados pelos pais. Uma vez passada a fase problématica, entretanto, a vida seguia seu curso normal . A maioria delas freqüentava aos cultos e missas no domingo. Todo o resto do bosque as tinha em conta de gente honesta, ordeira, e, via de regra, abonada.
No campo aparentemente oposto estavam as cigarras. Sempre tendo problemas com a polícia, sempre envolvidas com drogas, sempre atoladas em vícios e badernas diversas, mesmo quando famosas. Sim, pois as cigarras constituiam a classe artística por exelência do bosque. Houve época em que desde o cantor de butequim até os expoentes da indústria fonográfica eram cigarras. As formigas consideravam as cigarras repreeensíveis por muitas coisas, desde seus comportamentos sexuais inadequados até seu uso de protestar contra as medidas governo do bosque; mas, acima de tudo, as cigarras eram um mal exemplo por não trabalharem. Desde quando ficar aí pelas esquinas e pelos butecos é trabalho? Tocar e cantar todos nós podemos, e se ninguem fizer, não há de fazer falta também. E a vida que essa gente leva, então...?! Deus que me livre!
Para o resto do bosque, as coisas pareciam exatamente desse jeito, e no entanto, as coisas nem sempre ou raramente se passam da maneira como o vulgo as percebe. Hei de lhe mostrar agora dois personagens do Bosque, para explicar o que digo.
João Cigarrito era músico. Instrumentista por profisão e por paixão. Desde pequeno respirou música, por que em sua casa não faltava alguém para tomar o violão e tocar, e nem alguém que cantasse. Começou desde pequeno a lidar com os instrumentos, e, desde muito moço, animava os lugares que frequentava com canto e dedilhado de viola. Assim, os pais não ficaram exatamente surpresos quando ele disse que ia ser músico, embora a mãe quisesse mesmo que ele fizesse Direito, pra trabalhar com o Seu Formigôncio.
João Cigarrito andava deveras ocupado ultimamente. Para quem não sabe, se sustentar como músico não é nada fácil, especialmente num bosque de terceiro mundo. A necessidade de ganhar o pão de cada dia obrigava o João a se desdobrar em vários empregos, dando aulas particulares, tocando em barzinhos noite à fora, e até gravando jingles publicitários. João acordava cedo, pegava dois ônibus da árvore onde morava até o centro. Ia levando a vida, que, na opinião dele, era mais fácil com uma boa canção. “É como disse outro: quem tem a viola, pra se acompanhar...” A vida era simples, quiçá sofrida, mas feliz apesar de tudo.
Arthur Formigôncio era muitas coisas: Filho do Seu Formigôncio, bacharel em direito, administrador das empresas do pai. Arthur era uma formiga realmente respeitável. Acordava todo dia às nove da manhã, vestia um belo terno e ia para o trabalho num carro enorme. O trabalho de Arthur era administrar o dinheiro do pai, e, dizem os boatos, gastá-lo. Arthur havia se formado em Direito, pois pretendia seguir os passos do pai. Não passou no exame de ordem, dizem os boatos que por não ter se esforçado durante o curso. Também correm boatos de que o jovem teve problemas com drogas na adolescência, motivo pelo qual foi mandado para uma longa temporada num formigueiro distante, no norte. Seu Formigôncio certa feita chegou a processar um psicólogo que sugeriu que os problemas emocionais de Arthur tivessem alguma relação com o histórico de alcoolismo do pai e com os adultérios da mãe. Mesmo quando adulto, Artur parece não ter se recuperado de uma gripe pega na época da viagem, motivo pelo qual estava sempre com o nariz escorrendo. Um dia, aparentemente entediado com suas longas férias, Arthur deixou seu apartamento para não mais voltar. Dizem os boatos que foi encontrado morto num beco atrás de uma boate bem cara. Estava numa poça de vômito e sangue, com os olhos vidrados.

Moral da história: tolo é aquele que julga as pessoas pelas aparências e pela profissão.

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