sábado, 20 de setembro de 2008

a pior hora de todo dia.

Queria que este texto fosse lido como uma imagem, um uma série de imagens, um filme. Não tente ver uma metafísica aonde ela não existe. Veja apenas as imagens. Eu sugiro algo como um livro de biologia, ou um sonho, mas isso não deve (embora vá, inevitavelmente) pautar as suas imagens.
A primeira tarefa de todo ser que se delimita em relação aos restante daquilo que ele percebe é criar uma espécie de diplomacia que vai orientar toda a vida, toda a organização posterior. Uma atitude extrema é a a de se deixar permear, na medida do possível, por aqueles elementos que estão em contato com a superfície do ser. A outra é a de se fechar rigorosamente, não permitir contato, inspecionar e julgar fria e criteriosamente tudo que entra no nosso campo de visão.
O gênero humano costumeiramente prefere a primeira atitude, embora ela (como a outra) nunca seja adotada de forma irrestrita. Deixar-se tocar é vantajoso do ponto de vista da existência e da conservação da vida. O contato constante com essas fontes de impressão leva à queimaduras constantes do ser, como uma retina que se expõe sempre à luz demasiada. Essas marcas, por vezes, com a insistência do hábito, se interiorizam, deixam de existir apenas na superfície do ser e ficam lá dentro como uma estrutura conservada e sem nenhuma função específica, como uma casca que entra na madeira do tronco ao invés de cair no chão.
Essas “cascas” subsistem durante toda a vida, e influenciam qualquer apreensão do mundo posterior à sua criação. Sob certas circunstâncias (que na verdade são muito comuns) elas atuam como um “filtro” que deforma a visão do externo, criando visões e inúmeros corpos etéreos onde eles não existem. Esses corpos se manifestam como expectativas irreais sobre às coisas, sobre fatos e sobre o funcionamento interno desses.
A primeira tarefa do ser que julga a tudo mais e à si mesmo no mundo é eliminar de si essas filtros, alguns dos quais já vem interiorizados desde uma idade muito tenra. É claro que é doloroso, porque a luz natural das coisas dói e incomoda a quem estava acostumado a um certo conforto. Azar. Quem está disposto à tomar tal atitude geralmente não se preocupa muito com essas dores do parto. Depois, uma saudável distância acaba sendo erigida sob a própria pele.
Foda-se.

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