domingo, 1 de fevereiro de 2009

comida de gigante

A menina estava acostumada à ver as multidões. Ossos do ofício alheio. De cima do palanque, as multidões de indivíduos tomavam um aspecto de uniformidade, que variava conforme o lugar, o momento, a tendência política dos demagogos em questão. Ao longo dos anos, a menina e seu amigo haviam criado um jogo que consistia em tentar definir a região de onde era aquela multidão pelo aspecto que ela tinha nas fotos de revista. Da última vez que eles jogaram, a menina perdeu. Confundiu a torcida da Ferrari com a platéia de um discurso do Stalin.
Muitas vezes a menina pensou nas multidões como comida de gigante. Aquele amontoado de seres humanos lhe lembrava um pacote de algum salgadinho. Ela imaginava como seria se todos estivessem dentro de um saco enorme, do tamanho de um prédio, e algum gigante metesse a mão lá e pegasse um punhado de vez em quando para comer. Os adultos gordos ficariam por cima no pacote. Seriam os bocados mais saborosos. Talvez uns três deles fossem suficientes para encher a bocarra de um gigante.
Aí, conforme o pacote fosse esvaziando, no fundo ficariam os menorezinhos. Os gigantes encheriam a mão com vários deles. Talvez até colocassem ketchup daqueles de sachê, o que no caso de um gigante deveria ser mais ou menos um contêiner inteiro, daqueles de navio, cheio de ketchup. Por fim restariam os bebês, que junto com os pedaços de gente perdidos no saco formariam um tipo de farelo, que o gigante em questão viraria do pacote direto na boca, finda a refeição.

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