terça-feira, 13 de janeiro de 2009

Outro dia eu passava no cais à noite. Um pescador que chegava me olhou com seus olhos turvos pela catarata e me disse o seguinte:

"Aquele que troca o caminho por um atalho,
No cú merece um bom caralho."

E é assim que um pescador é capaz de explicar as bolhas financeiras, acrescentando uma medida punitiva, e tudo em verso.

***

A linguagem é um bordel sujo, onde as coisas se escondem atrás de panos velhos, o chão tem buracos e a atmosfera é cheia de fumaça. Nesse lugar estranho o Eu é um dos quartos mais mocados, escondido atrás de escadas e corredores apertados. Quando alguém por exemplo diz: "minha perna tá arranhada" ou "tô com um troço na pele", é um uso da linguagem totalmente diferente de quando se diz "estou doente." A última frase exprime algo do tipo "sou eu mesmo, não minha perna, não minha pele, nada externo à mim, nada que pode ser usado como objeto da frase, que está doente." As pessoas dizem "estou doente" quando estão com a garganta inflamada, ou com uma dor de cabeça muito forte, ou gripadas, mas não dizem isso se estiverem com um corte infeccionado. Pelo visto, em português, o Eu se refere às entranhas do sujeito, da cintura pra cima.

Um comentário:

Anônimo disse...

nossa, é uma reflexão muito acertada essa, de como a gente vê a doença como algo intrínseco. o que é de superfície não passa de um "problema".