terça-feira, 21 de outubro de 2008

'am bi ente


Nada influi mais sobre o “humor” das pessoas do que o ambiente. O trabalho, as relações com os outros, tudo isso importa, mas se eu me sinto descompassado da moldura ambiental que percorro, não posso me sentir feliz. Por outro lado, se tudo o mais estiver ruindo à nossa volta sob um fim de tarde glorioso e perfumado, não vejo tanto mal nisso. Preciso deixar bem claro que ambiente aqui não é algo que pode ser comprar uma loja de móveis, vulgar e barulhenta, que por falar nisso sempre me deixa na mais profunda depressão. O ambiente é simplesmente a soma dos elementos naturais que compõem o “fundo” sobre o qual se desenrola um momento da vida humana; é portanto composto somente pelos elementos que nós percebemos.
Era sábado à tarde. O céu tava cinza, mas não era simplesmente nublado, era um cinza abafado, sujo de poeira. Estava quente e as cigarras faziam um barulho enorme e estranhamente ritmado, como se houvesse uma cerra indo e vindo dentro da minha cabeça. É impressionante como o “tema” central muda rápido na natureza: ainda a alguns meses, o que mais marcava a paisagem era o contraste absurdo entre os pontos amarelos berrantes dos ipês contra o fundo completamente azul-desbotado do céu, sem uma nuvem sequer. A mágica dos flamboaiãs é essa: eles pegam fogo exatamente no auge da vida. O que enchia os olhos agora é o vermelho dos pés de flamboaiã sob o céu cinzento. Uma combinação de cores que lembra uma certa sala de espera, ou ainda a bandeira do Japão.
Toda aquela atmosfera opressiva – as cigarras, o céu, o calor – não podiam deixar de ser o prenúncio de uma noite agradável. E essa é uma lei imutável dos dias e das noites: a noite é sempre mais ampla que os dias, de modo que os dias mais opressivos costumam ser seguidos das noites mais agradáveis, mais acolhedoras, e os dias agradáveis costumam fazer par com noites nas quais é bom ficar em casa.
O céu de brasília – talvez justamente a parte mais admirada da capital - tem sempre algo de bom e sublime para nos dizer. O céu é magnânimo demais, não casa com os pré-moldados e com a vegetação nada magnânima da terra. O céu acaba por alimentar em mim uma constante sensação de transcendência possível, e de inconformismo por estar preso no chão.
Falando sobre a terra, hei de descrevê-la rapidamente para alentar as imaginações dos leitores de terras distantes que por acaso tropecem nessas linhas.
O traço marcante de Brasília é a artificialidade. Tudo aqui é de mentira: a ordenação da cidade é artificial, as construções são feitas em pré-moldado e concreto, e até a vegetação é “importada”: as feias árvores retorcidas do cerrado foram banidas para a colocação de árvores grandes e frondosas sobre a grama. O orgasmo da artificialidade é o próprio “centro” da cidade, isto é, a esplanada dos ministérios. Tudo lá é meio etéreo, nada ali lembra nenhuma outra região do mundo, nem do Brasil. Nas quadras, ainda observamos as intervenções que as pessoas de verdade – ou nem tanto – fazem para quebrar a programação: cadeiras de barzinho atrás da comercial, umas árvores frutíferas aqui e ali, ou mesmo simples bicicletas amarradas nos postes. Na esplanada há pouco disso. Passando por lá à noite, quando não há ninguém, não há nada disso. É calmo, monumental e estranho.

Um comentário:

Michael Az. disse...

André, lembrei com algumas partes do post, semelhanças na forma de pensar e de sentir... acho legal os teus textos sempre carregados com uma mensagem forte e envolvento como tal.
Como exemplo quando vc fala da depressão e mostra detalhes de dentro, nos sentimentos, isso faz reviver os momentos que passamos tbm assim, com 'cerras indo e vindo na sua cabeça' etc...
Bendito Texto! Não é bom lembrar da sua antiga depressão, mais faz parte e acontece...
Quanto as faltas, sempre vi e lí, não comentei mais pra não estampar nitidamente o habitué que sou.HAHa, e é claro que significa cara... Muita coisa,pois mesmo te conhecendo só no Blog, já sei mais coisas do que imaginas.
Pelo menos o blog mosra muito mais a pessoa do que no orkut e msn.
Falando nisso, qual teu msn?
Abraço e Até.