quarta-feira, 24 de setembro de 2008

Nenhum inseto

Quando certa manhã Carlos Alberto acordou de sonhos intranqüilos, percebeu que não havia se metamorfoseado em um inseto monstruoso. De fato, tudo permanecera horrivelmente igual à todos os outros dias. Nem o benefício de alguma metamorfose, nem de alguma hecatombe vinha aliviar o marasmo odioso da terça de manhã. Levantou-se, caminhou até o banheiro e pensou em talvez se masturbar pensando em uma bunda que vira num anuncio numa revista. Escovou os dentes. Na sala, as pessoas jovens e descolados da televisão clamavam pela revolução num comercial de atum em lata. Na rua,as pessoas olhavam-no com as caras sujas e raquíticas de quem não promete revolução alguma. Carlos acordara de bom humor. Durante o deslocamento até o trabalho, porém, este fora contaminado pela paisagem. Grandes áreas de concreto pintado de branco refletiam muito da claridade do céu enorme e cinicamente azul. O próprio céu era opressivo: pode-se ver o horizonte de qualquer ponto, e assim, lembrar-se da falta enorme de
perspectivas favoráveis, para si e para o todo. Carlos gostava de andar de ônibus: o tremelique medonho lhe causava ereções. Olhando pela janela ele vê um grupo que protesta contra o assassinato de duzentos e sessenta e cinco mil filhotes de foca no Canadá. "É filhote de foca pra caralho." Estendidos sobre o maldito pasto verde plantado no entre os ministérios, o grupo ostenta faixas e grita palavras de ordem que são solenemente ignoradas por todos em volta. Como zumbis, os pontinhos humanos fazem seu trajeto entre os carros e os prédios, entre os ônibus e os prédios. "gostaria de algum dia ver elefantes nesse pasto." Olhando para baixo, podia acompanhar com os olhos vários carros que carregam apenas uma pessoa, sorridentes por não estarem nos ônibus, que estavam lotados e tremendo muito. Carlos chegou em casa, à noite. Na TV, falavam de coisas sendo inventadas em lugares distantes, falavam dos monges que apanhavam no tibete, de meninas sendo jogadas dos prédios. Nada falavam sobre os filhotes de foca. Falavam, sobretudo, de revoltas, de repressões terríveis, de coisas surgindo.
E Carlos, preso no maldito quadrado de terra seca esturricada. Carlos preso naquele horrendo pedaço do planeta Terra, impotente, observando. Por incidente sinistro, largado naquele lugar opressivo, onde NADA acontece, nunca! "Ah, se ao menos me tornasse um inseto monstruoso, se pelo o povo tomasse as ruas, se pelo menos o caos viesse, se pelo menos algo me matasse a fome da alma, a fome da alma!" Enquanto isso, na janela, os prédios baixos encaravam Carlos e encaravam a imensidão do horizonte que se estendia além da L2.

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A partir de hoje eu devo começar a "publicar" alguns "contos" meus. Esse de agora, por exemplo, me é muito caro. Foi escrito num pequeno acesso de fúria, num átimo de rotações, turbações e virulências.
Quando eu era criança, trabalhava lá em casa uma mulher que, em certa época, andou cantarolando por aí um pedaço de uma música que andava em voga: "nós vamos quebrar tudo...". E o mais interessante é que ela de fato só guardou (ou só cantarolava) esse pedacinho.
Na época eu não cheguei à entender, como ela também, segundo acredito, nunca entendeu bem o porquê de cantar só esse trechinho.
É interessante como essas coisas vão grudando nos ossos e acabam se refletindo na criação.

6 comentários:

Michael Az. disse...

Que nada, eu tbm só gosto e só sei fazer dessa forma, deixar os pedaços jogados sem se preocupar excessivamente com concordâncias entre outras regrinhas, sei lá...
Já o 'porn das pilastras' foi um post da milla, a garota que realmente faz isso, hahahaha.
Se bem que não pegaria bem pra mim molestar-se numa pilastra como as da casa dela... redondas, grandes, estranhas... e o meu tesão acontece sobre o "penetrar" e não "esfregar", sacou?

É velho, obrigado pela dica, salvo isso e não só servirá para o blogger como pra outros textos, do vestibular principalmente.
Pensarei sim, como um jogo e vou com ambição tentar fazer melhor.
Achei bem foda o post de hoje, como os outros!

Abraço e boa noite.

Basílio disse...

É, não imaginei que aquilo que ouvi num outubro half-drunk no topo do pátio fosse uma leve descrição de algo que eu próprio me angustiei pra visualizar no papel de alguma forma e não consegui traduzir a tempo de impedir que escapulisse das minhas mãos (e ainda bem que, diferente do Sobral, eu ñ odeio qm faz aquilo que eu gostaria de ter feito :P).
Expande isso, dá pra ver que tem mta coisa impregnada nos seus ossos que podem ganhar tons relevantes dessa forma. Pq enquanto ficarem nos ossos... bem, é meio foda depender do nosso insight por que qr q seja. E compartilhar é bom :)

[ AritAnna-Varney ] disse...

Conto bem escrito, como todos os teus textos aqui.
Ah, será que eu terei de ir até aí te levar um cigarro ?
Eu me sinto tão só que só tenho eles, meus 20 melhores amigos que nunca me abandonam.
Que realidade cruel, né ?

Anônimo disse...

Muito bom issaí.

Michael Az. disse...

É qué já ouvi dizer que cartas de amores são ridículas!
Tú acredita que aquilo é uma carta de amor?
Não queria gostar dessa coisa de amar e ser meloso, então veja, disfarço amor com ódio.
E a relação só fica melhor, e cresce mais ainda...

Obrigado pelos parabéns, André Shalders. Agora são 19.

Anônimo disse...

a galera do carro tava sozinha e confortável, mas só o carlos é que tava de pau duro. aheuhue


achei bom esse texto (: