sexta-feira, 15 de maio de 2009

patiférias

Eramos três. Eu, o bróder e a guria. O bróder ia na frente, com o volante na mão, pilotando nossa espaçonave reluzente por entre as luzes da via-láctea - ou seria o Eixão? - naquela madrugada mágica.
O bróder nesse momento era o monarca absoluto. Tinha nossas vidas na mão, nas mãos trêmulas, tinha o controle do som - que nesse momento era pilotado talvez com mais maestria que o carro - e sobretudo tinha a primeira dama ao seu lado. O bróder tinha seu momento de glória esculpindo um caminho sob a luz bonita dos primeiros raios de luz de um domingo qualquer desses.
E eu, à despeito de minha posição de reles ministro, tratei de me imiscuir na alcova real. E a cada quadra que passava zunindo por nós, me embriagava um pouco mais da presença da guria, quem diria, da santa e virgem e mil vezes imaculada guria do meu próprio bróder. Do meu melhor bróder, aliás, de um dos meus melhores bróderes. Aquela aurora assistia ao nascer gêmeo da minha confusão.
Me embriagava justo quando achava impossível mais alguma embriaguez, me embriagava daquela voz, sobretudo da voz, da voz e dos cabelos cuidadosamente desarrumados sobre a maquiagem desfeita. E, no entanto, como poderia? O que seria feito do meu amor-próprio se essa insanidade criasse raízes? Sim, porque nesses casos o impulso de preservação não é no sentido do outro, é no nosso próprio.
Num átimo, éramos quatro. Sim, no banco de atrás, na altura da pélvis eu tinha companhia. O Amigo despertara de súbito, acordado pelos pecaminosos pensamentos da parte de cima.

Amigo, eu lhe rogo, volte ao leito!
Depois de hoje, e pelo menos atá amanhã,
deverias estar satisfeito!

Minha pálida tentativa não foi sequer considerada, e por isso, a parte de cima teve que começar a imaginar conseqüências, calcular estratégias, enfim, fazer aquilo para o que foi feita. O quarto passageiro não dava sinais de retroceder, e dados os sinais que vinham do banco do carona eu mesmo não teria subsídio para criticá-lo.
Faltavam nove quadras, apenas nove quadras, para o momento fatídico. Pensei que nem mesmo todas as trinta e duas tesourinhas seriam suficientes - àquela velocidade - para que se amainassem os sinais dos meus pecaminosos sentimentos. E elas foram passando, uma a uma. Cada uma com um golpe de vista do amanhecer tranqüilo naquelas boas quadras. A Asa ia despertando com seus blocos, suas lojas, suas barraquinhas de dog, suas jamaicas serenas e verdes. Faltando apenas duas, desisti e me entreguei ao delírio brilhante de loucura daqueles olhos, dancei na melodia suave e descompassada da voz.
Ela desceu. O bróder a beijou graciosamente, gracioso que estava na luz dourada da manhã. Graciosamente ela desceu, e graciosamente ele me chamou à frente para o resto da jornada. Eu saí sabendo da singularidade nua daquele momento. Ela simplesmente me abraçou e no seu abraço eu senti o peso da minha inocência infantil e da inocência infantil de todos os homens. Foi um abraço duro. Ao meu olhar abobado e constrangido ela respondeu com um sorriso, que bailava entre os raios de sol e entre o desejo, o materno e o cínico.

2 comentários:

Léo Tavares disse...

foi a coisa mais singular, delicada e eu diria linda que eu já li sobre um pau duro.

chora rita disse...

HAHAHA SE FUDEU