quinta-feira, 13 de novembro de 2008

dessassosego

João sofria de preguiça existencial. Não se tratava simplesmente de não querer acordar de manhã. João explicava sua situação da seguinte forma:
- É como estrar com fome e sentir preguiça de por a comida na boca e mastigar.
Disseram à João que, dali à alguns dias, a fábrica daria férias eternas para um monte de gente. Então, ele que se esmerasse em apertar aqueles parafusos, se não quisesse resolver o problema da preguiça de um jeito bem ruim.
João não respondeu, mas a pessoa que lhe disse aquilo não entendeu nada.
João pensou em sarar sua preguiça virando padre, fugindo pra Rússia ou arrumando mais um emprego. Mas ele sabia que nada disso daria jeito, porque a preguiça que João tinha não era de apertar parafusos, nem de acordar cedo, nem de nada disso. João sentia preguiça de pensar.
João tinha preguiça de pensar nos muitos problemas que ele tinha que resolver intimamente. É preciso entender os homens, é preciso entender as mulheres e as crianças. É preciso que João entenda à si mesmo. Mesmo sem resolver essas questões, João sabia que conseguiria dar jeito em tudo, porque brasileiro sempre dá jeito. Daria jeito no mau humor da mulher, daria um jeito de pagar a conta do boteco, daria um jeito de conseguir o perdão de Deus.
João era um caboclo inteligente. João já tinha todas as respostas que precisava. Ele estava lá com um punhado de coisas que ele podia acreditar, coisas nas quais muita gente acreditava, coisas que explicavam o mundo. O problema todo é que aquilo não resolvia intimamente as coisas. João não conseguia acreditar de verdade nelas. Tudo aquilo que era sólido sempre se desmanchava no ar, cedo ou tarde. Era por isso que joão gostava de ler o jornal de manhã. Ele sabia que, dentro do limite daquelas páginas, o mundo estaria lá, resolvido como um quebra cabeça todo montado. Seria sempre o mesmo velho mundo, mudando mas sempre o mesmo, como o café fraco e doce e o frio da manhã. As manhãs eram a parte mais feliz do dia.