terça-feira, 30 de setembro de 2008

em progresso



Os elementos da paisagem se confundem o tempo todo uns com os outros e se confundem dentro daqueles que habitam na paisagem. Especificamente o ar frio e seco se confundia com verde esmaecido das plantas e com o azul esmaecido do céu, e com o branco das nuvens constante e uniformemente distribuídas sobre o céu. O céu enorme e opressivo se confunde com a terra pequena embaixo dele e se confunde com aqueles que caminham sobre a terra. Em outras paisagens o céu talvez seja mais fundo, as pessoas tenha que olhar através de mais ar, mas aqui o nosso céu é raso, parco, barato, seco. Nos tornamos rasos, largos, simples. Nosso céu não é grandioso, nem nossa mata, nem nossos corpos, nem nós. São belos, sim, mas não grandiosos, não incríveis, não vendáveis.
Eu estava andando pela rua com ela. Pensando em como aquelas ruas, nas noites de inverno, se assemelham à idéia que eu tenho do que seja o fundo de um lago frio e cheio de arvores mortas e algas. As arvores iluminadas por nesgas de luz amarela saindo dos postes. Ela me atacava. Ela era uma coisa alemã. Enquanto ela me atacava eu pensava que era preciso matá-la. Ainda que ela fosse uma coisa adorável, um pedaço de torta com morangos em cima, era impossível não pensar em matá-la, apenas para que ela se calasse. E olha que ela era adorável. Após matá-la imediatamente viria o remorso. Mas após matar alguma coisa alemã não adorável, não sei se viria remorso. Talvez não viesse nada, apenas a idéia desagradabilíssima de ter de se livrar de um cadáver. De ter que digerir um salsichão.
É preciso tirar as coisas do altar. Não necessariamente pra destruí-las depois, mas pra olhar pra elas de frente, no mínimo, e depois, se não gostarmos do que estamos vendo, aí sim, bater com o martelo. Começamos tirando a idéia de deus. Deus deixou de ser deus quando passou a ser uma idéia. E, como idéia, pudemos olhar para ela; sendo deus uma idéia de extremo mal gosto, pudemos atacá-la à machadadas. Mas deus não é o santo mais alto no nosso altar. A idéia de amor romântico talvez seja ainda maior e mais difícil. Mas é necessário tirá-la de lá.
É necessário tirá-la de lá e olhá-la de frente, talvez pra cuspir nela, talvez pra se esfregar deliciosamente nela de novo, mas nunca para recolocá-la aonde ela estava. Para matá-la eu teria de matar primeiro a idéia de amor.
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A imagem não tem nada à ver com o texto, mas quem quiser ver, que veja. É só uma das fotos que eu fiz para o exercício de fotografia da faculdade. Uma maçã bastante melhorada, mas não olímpica demais.

3 comentários:

Comunicando-se disse...

Nossa, vc é realmente uma pala ambulante!!
prazer em te conhecer cara!
qualquer coisa:
rcardosoamorim@gmail.com
abração
Robson

Basílio disse...

Ainda acho que certas coisas ficam melhores intocadas, mas...

tay. disse...

é que matar o adorável deixa um gosto doce na boca. gosto doce passa. gosto amargo não depura.



[eu gostei muito daqui.]