sexta-feira, 24 de outubro de 2008
criatividade e mercado
Quem quiser saber mais que me procure. Abra uma franquia do meu cérebro corrompido em seus garridos campos mentais. Eis a primeira:
Uma fábula envolvendo um diálogo entre o assassino da Heloá e o "jorginho" de Toda nudez será castigada. O enredo toma por base elementos da mitologia da máfia cyberpunk chinesa, segundo a qual os criminosos e psicopatas, ao morrerem, se encontram numa espécie de limbo, só que transformados em animais. Assim, um se transmuta numa paca e o outro numa cracatua (os animais podem variar de acordo com o seu gosto) e eles mantém uma conversa cheia de paradoxos e escatologias na beira de um vulcão extinto. No fim, acabam recebendo uma maldição prometaica e, amarrados num rochedo, recebem cocô fresco de pombo continuamente sobre seus rostos, novamente tornados humanos. No dia seguinte, porém, a pilha de cocô some, apenas para se acumular novamente.
terça-feira, 21 de outubro de 2008
'am bi ente
Nada influi mais sobre o “humor” das pessoas do que o ambiente. O trabalho, as relações com os outros, tudo isso importa, mas se eu me sinto descompassado da moldura ambiental que percorro, não posso me sentir feliz. Por outro lado, se tudo o mais estiver ruindo à nossa volta sob um fim de tarde glorioso e perfumado, não vejo tanto mal nisso. Preciso deixar bem claro que ambiente aqui não é algo que pode ser comprar uma loja de móveis, vulgar e barulhenta, que por falar nisso sempre me deixa na mais profunda depressão. O ambiente é simplesmente a soma dos elementos naturais que compõem o “fundo” sobre o qual se desenrola um momento da vida humana; é portanto composto somente pelos elementos que nós percebemos.
Era sábado à tarde. O céu tava cinza, mas não era simplesmente nublado, era um cinza abafado, sujo de poeira. Estava quente e as cigarras faziam um barulho enorme e estranhamente ritmado, como se houvesse uma cerra indo e vindo dentro da minha cabeça. É impressionante como o “tema” central muda rápido na natureza: ainda a alguns meses, o que mais marcava a paisagem era o contraste absurdo entre os pontos amarelos berrantes dos ipês contra o fundo completamente azul-desbotado do céu, sem uma nuvem sequer. A mágica dos flamboaiãs é essa: eles pegam fogo exatamente no auge da vida. O que enchia os olhos agora é o vermelho dos pés de flamboaiã sob o céu cinzento. Uma combinação de cores que lembra uma certa sala de espera, ou ainda a bandeira do Japão.
Toda aquela atmosfera opressiva – as cigarras, o céu, o calor – não podiam deixar de ser o prenúncio de uma noite agradável. E essa é uma lei imutável dos dias e das noites: a noite é sempre mais ampla que os dias, de modo que os dias mais opressivos costumam ser seguidos das noites mais agradáveis, mais acolhedoras, e os dias agradáveis costumam fazer par com noites nas quais é bom ficar em casa.
O céu de brasília – talvez justamente a parte mais admirada da capital - tem sempre algo de bom e sublime para nos dizer. O céu é magnânimo demais, não casa com os pré-moldados e com a vegetação nada magnânima da terra. O céu acaba por alimentar em mim uma constante sensação de transcendência possível, e de inconformismo por estar preso no chão.
Falando sobre a terra, hei de descrevê-la rapidamente para alentar as imaginações dos leitores de terras distantes que por acaso tropecem nessas linhas.
O traço marcante de Brasília é a artificialidade. Tudo aqui é de mentira: a ordenação da cidade é artificial, as construções são feitas em pré-moldado e concreto, e até a vegetação é “importada”: as feias árvores retorcidas do cerrado foram banidas para a colocação de árvores grandes e frondosas sobre a grama. O orgasmo da artificialidade é o próprio “centro” da cidade, isto é, a esplanada dos ministérios. Tudo lá é meio etéreo, nada ali lembra nenhuma outra região do mundo, nem do Brasil. Nas quadras, ainda observamos as intervenções que as pessoas de verdade – ou nem tanto – fazem para quebrar a programação: cadeiras de barzinho atrás da comercial, umas árvores frutíferas aqui e ali, ou mesmo simples bicicletas amarradas nos postes. Na esplanada há pouco disso. Passando por lá à noite, quando não há ninguém, não há nada disso. É calmo, monumental e estranho.
sexta-feira, 17 de outubro de 2008
domingo, 12 de outubro de 2008
Os besouros, se não são os melhores amigos dos homens, devem ter sido, durante muito tempo, o melhor entretenimento destes.
Como os outros insetos, os besouros se aproximam da luz. E, exatamente por ser a única criatura capaz de criar luz contínua em plena noite, o homem deve ter tido desde muito cedo a companhia destes e de outros insetos. De todos os insetos, os besouros são aqueles que fornecem melhor companhia ao homem: não picam, apesar de transmitirem doenças, e além disso, por serem frequentemente maiores que seus pares, proporcionam um benefício estético e criativo: imagino quantas e quantas noites ancestrais - nas quais não havia qualquer tipo de entretenimento exceto as conversas ao pé da fogueira - foram animadas por histórias e contos acerca desses pequenos artifícios multicolores e animados da natureza. Os besouros que se reuniam e ficavam virados com o ventre para cima em volta da fogueira ajudavam à criar um ambiente onírico que estimulava a imaginação das crianças; os velhos anciãos tratavam de explorar essa propriedade intrínseca à essa classe de animais criando e transmitindo uma série de narrativas sobre eles.
O fato é que um inseto qualquer representa uma possibilidade única: podemos neles enxergar um pedaço de nossos pesadelos ou sonhos, dada sua disparidade formal em relação aos mamíferos e demais animais de maior porte, ao mesmo tempo em que eles se mantém, devido ao seu pequeno tamanho, numa esfera onde não são capazes de causar pânico ou medo: os insetos se constituem numa legítima experiência onírica sobre controle. De fato, seria difícil contemplar a beleza terrível e eficiente de uma formiga se esta tivesse uns três metros de altura. Talvez esse contato ancestral tenha sido o responsável por introduzir os insetos no imaginário coletivo de grande parte da raça humana.
Acho uma experiência interessante observar esses seres, principalmente as abelhas, voando em direção à luz. Elas vão ávidas, batem na lâmpada, e continuam se apertando contra essa, como se quisessem quebrar o vidro que impede que elas se banhem na luz, que absorvam a luz. É claro que elas acabam se queimando, ou ficando tontas, e morrem. Mas às vezes eu tenho a sensação de que esse é o melhor jeito de morrer para uma abelha, porque parece que, por um instante, elas encontraram uma paz e um gozo batendo com a cabeça na lâmpada. Quase como uma certa classe de hominídeos. Mas isso é assunto pra outra postagem.
sábado, 11 de outubro de 2008
Dread-locke
Aí vai um que eu fiz para a aula de TPM. Fala sobre a ética e a política em Maquiavel, S. Tomás de Aquino e para Calvin e Haroldo.
Observando o cenário político do Brasil contemporâneo - pródigo em escândalos de corrupção, negociatas, acordos escusos e fisiologismos de toda sorte - somos tentados a acreditar na tese de que “a hipocrisia e a mentira são congênitas à atividade política”. Entretanto, quando pensamos nas muitas pessoas que lutaram até a morte em nome das idéias nas quais acreditaram, como a independência nacional, a revolução social e outros, uma visão completamente diferente da natureza da atividade política emerge. Nessa visão o ideal político é abraçado de forma tão absoluta que até mesmo a própria vida deve ser sacrificada no fogo da luta por aquilo que é justo, belo e verdadeiro.
O problema da moral na atividade política deve ser situado em duas esferas: a primeira é a da relação entre o indivíduo e a causa política, e a segunda é a dos meios utlizados pelo sujeito para a realização do objetivo político.
Tratarei primeiro da relação entre o indivíduo e o ideal político. No caso de grande parte dos componentes da classe política nacional, essa relação é clara: o político profissional tem pouco ou nenhum envolvimento com as causas políticas que professa, isto é, considerando o feliz acidente de que o indivíduo professe alguma causa. Isso fica claro quando pensamos, em primeiro lugar, no quanto a maioria dos “políticos” brasileiros é avessa à ideologias. Aquilo que se poderia naturalmente tomar como causa à ser defendida, ou seja, os interesses daqueles que se está a representar, só adquirem alguma relevância no cáuculo das ações políticas em termos estritamente eleitorais. Pensa-se não no bem direto da população, mas sim no quanto os benefícios obtidos podem representar em votos que garantam a reeleição ou o cargo de algum protegido. Pensa-se, portanto, no bem individual, e não em termos de causas a serem defendidas. Isso fica evidente também quando se pensa no tipo de relação que os candidatos mantém com seus partidos; estes funcionam como meros trampolins eleitorais, escolhidos e trocados à todo momento de acordo com a conveniência. Salvo excessões, não há nem sombra de qualquer identificação real do indivíduo com o partido e nem deste com qualquer causa ideológica. Como na tirinha, o “partido” de Haroldo - ou Hobbes, como preferir – são os presentes à serem ganhos no Natal. A “causa” do bom comportamento é apenas uma moeda de troca, uma barganha feita com o bom velhinho e a moral cristã. E falando em moral cristã, é evidente que esta – apesar de todo o ranço de tradicionalismo e conservadorismo hipócrita que paira sobre grande parte de nossos políticos e de nosso povo de forma geral – está bem longe de nortear as ações da maior parte da nosa classe política, como recomendaria o conselho desse aristotélico confuso e debilitado, São Tomás de Aquino. Quanto à Maquiavel, ele não previu que este tipo de gente um dia chegaria à se apropriar da política: não se pode dizer que um Severino Cavalcanti esteja em busca de “glória” quando se lança à vida pública. Está à busca de um “mensalinho” e mesmo dos favores do dono do restaurante da câmara. O exemplo de nossa classe política definitivamente não deve ser identificado com aquilo que Maquiavel diz do príncipe de virtù; a maior parte desta se comporta de forma muito próxima aos soldados de uma tropa mercenária, descrita por Maquiavel no Capítulo XII de O Príncipe.
Porém, felizmente, o universo da atividade política não se resume aos exemplos citados acima. Vemos, ainda que de forma um pouco idealizada, invíduos que de fato levaram suas causas políticas às últimas conseqüencias; quando a luta política não era mais possível dentro da esfera institucional normal, ela prosseguia utilizando-se de meios ilegais, que poderiam ser taxados de perigosos e até cruéis. Ora, se um chega ao extremo de sacrificar a própria vida em nome de uma causa, deliberada ou acidentalmente, não se pode dizer que o envolvimento dele com aquilo é ocasional ou interessado, pois nesse caso o ônus seria infinitamente maior que o benefício que se poderia obter.
E é claro que os dois tipos descritos acima são atitudes extremas do indivíduo em relação ao envolvimento com a causa política, a “paixão” definida por Weber em A política como Vocação. Freqüentemente observamos nos governantes uma mescla dessas duas posições. Não é raro que a devoção a e luta por um objetivo que se acredita sublime conviva com a busca de vantagens pessoais e até mesmo – e eu realmente acredito que este sentimento perdure até hoje, pelo menos em certa medida – a busca da glória e principalmente da perpetuação do próprio nome através dos tempos, como dizia o velho Maquiavel. Esses elementos podem conviver em diferentes proporções dentro das motivações do indivíduo que se envolve com política.
Mas o estudo das motivações do indivíduo explica apenas em parte as intrincadas e nuançadas relações da moralidade com a política. O outro ponto que se deve analisar concerne à questão dos meios utilizados para atingir o objetivo proposto, seja ele a manutenção do poder, a salvação da alma dos súditos ou até mesmo os presentes de natal e outros mais ou menos idealistas. É nesse ponto que se concetra o problema moral central de Maquiavel, ou pelo menos o ponto onde a tradição posterior viu nele o maior problema: a justificação dos meios pelos fins visados. Admitindo que haja um objetivo político à ser atingido, vemos novamente duas atitudes que se contrapõe.
De um lado, pode-se admitir que o objetivo só deve ser perseguido até o ponto em que a busca não contrarie o senso de moralidade prevalecente, que eu posso observar ou não. O indivíduo nunca irá contrariar o próprio senso moral na busca de seus objetivos políticos, porque no fim das contas os objetivos políticos também são escolhidos e perseguidos (pelo menos em certa medida) por conta do senso de injustiça moral. O socialista não fundaria uma fábrica que explore trabalhadores afim de lutar contra o capitalismo, e embora tenha sido exatamente isso que a Rússia Stalinista fez, pode-se duvidar das verdadeiras motivações daquilo que, de saída, não se constituía num único indivíduo, e sim numa burocracia inteira. A atitude de respeitar de fato a moral socialmente aceita na busca dos objetivos políticos é aquela recomendada pelo piedoso S. Tomás. Acontece que para ele, a salvação das almas (inclusive a do governante) se constituía no fim último do governo e de toda a vida terrena, portanto seria um contra-senso sacrificá-la pela boa condução do Estado. No caso dos políticos reais, o respeito à moral social só tem vez caso o respeito à essa faça parte dos objetivos que ele se propõe (não só eleitoreiramente, mas de fato) à defender.
No outro extremo podemos caracterizar a atitude daqueles que não exitam em agir em desacordo com o que é considerado correto pela maioria na perseguição do objetivo político. Este, como bem se sabe, é o conselho de Maquiavel ao príncipe que queira conquistar e manter o poder. Aqui podemos seguramente colocar a maioria dos indivíduos reais de nosso tempo ou de tempos passados, sejaa eles revolucionários idealistaa, um monarcas recém-chegados ao poder ou deputados federais. Nesse caso, a moral social não passa de um incômodo limite para as ações possivelmente proveitosas na consecução dos objetivos. Pode-se observá-la até o momento em que isso não for incômodo; depois, o peso dela nas decisões passa a ser relativizado em relação aos benefícios e problemas que podem advir do desrespeito às suas normas: a moral social torna-se um elemento de cáuculo como outra variável qualquer.
Minha posição sobre a relação entre a essência e a aparência na política está expressa ao longo da resposta; me darei aqui o trabalho de sintetizá-la à titulo de conclusão. A ética interna, ou a visão de certo e errado do indivíduo estará sempre presente em todos os campos de sua vida, infalivelmente, e portanto não seria diferente com a atividade política. Até porque, a escolha do objetivo político por parte do indivíduo está sempre relacionada de certa forma com aquilo que ele considera justo, exceto no caso dos objetivos de simples favorecimento pessoal, que de qualquer forma poderiam ser melhor chamados de objetivos econômicos do que políticos propriamente. Entretanto, é raro que a moralidade interna do indivíduo corresponda inteiramente à moral socialmente aceita. Esta só conta para o indivíduo na medida em que corresponde ao seu senso de moralidade interna; essa correspondência pode ser maior ou menor. Assim, para o indivíduo que persegue um objetivo político, a moral social em si não importa tanto. Um terrorista basco não exitaria em explodir os miolos do filho do rei da Espanha em nome da liberdade do seu povo. Da mesma forma, aparentar seguir certos preceitos morais é um jogo praticado de bom grado pelo indivíduo político, desde que isso seja “rentável” do ponto de vista da causa defendida. A causa política verdadeira se encontra, assim, muito acima do bem e do mal socialmente aceitos.
fodam-se !